O que é afroempreendedorismo e como superar os desafios do mercado, segundo 4 líderes

O que é empreender? No sentido literal da palavra, é pôr em execução, realizar. Mas também pode ser inovar, faturar, escalar um negócio. Dois lados de uma mesma moeda? Nem sempre.

No Brasil, 51% dos empreendedores são negros.1 E para a maior parte dessa população, empreender está muito mais ligado à primeira definição do que à segunda. Apesar de serem maioria, os afroempreendedores têm menor escolaridade, menor rendimento mensal, estão menos formalizados e possuem menos empregados se comparados aos empreendedores brancos.2

Uma pesquisa realizada em 2019 pela PretaHub em parceria com a JP Morgan e Plano CDE estabeleceu três perfis de afroempreendedores, de acordo com a motivação deles para começar um negócio. São elas:

Perfis de afroempreendedores. Os que começam pela necessidade, precisam do dinheiro. Os que têm vocação e entendem o afroempreendedorismo como atividade autônoma. E o perfil de engajamento, que veem como uma autoafirmação voltada para o público afro.

Durante a sua jornada, o afroempreendedor enfrenta uma série de obstáculos, ligados tanto ao racismo como à desigualdade social do país. Para começar, a população negra precisa lidar com a precarização do ensino público e a falta de acesso a serviços básicos que garantam a sobrevivência, como alimentação, segurança e saúde. E mesmo quando esses entraves iniciais são superados, outros podem se impor nesse caminho, como o menor acesso a crédito e investimentos e, consequentemente, a dificuldade para crescer e escalar os negócios.

Busca por crédito: 51% dos empreendedores negros e 49% dos empreendedores brancos buscaram crédito na pandemia. Uma balança ilustra o desequilíbrio: 34% dos brancos tiveram crédito negado, percentual que sobe para 47% entre os negros.

“Por esses e muitos outros motivos que estão associados ao racismo estrutural, a jornada empreendedora para uma pessoa negra é mais desafiadora e complexa. Para além da necessidade de criação de oportunidades, é importante compreender que devem ser pensadas de forma integrada a formação para o crescimento (e não para subserviência) e o acesso a créditos, ferramentas e networking”, explica Carlos Humberto da Silva Filho, CEO da Diáspora.Black, startup de turismo.

Nós conversamos com ele e outros três afroempreendedores que fazem parte do programa Black Founders Fund, uma iniciativa do Google de investimento em startups fundadas e lideradas por empreendedores negros e negras, para entender, a partir da experiência deles, como lidar e tentar superar esses desafios. Leia a seguir.


Incentivar a capacidade de realização

Incentivar e demonstrar, desde cedo, que pessoas pretas possuem capacidade de realização é fundamental. Para isso, precisamos de mais iniciativas inclusivas para despertar esse senso. Hackathons, programas de aceleração e capacitação empreendedora, matemática e finanças são atividades que precisam ser mais oferecidas para a população negra.

Entendo que esse caminho é ainda muito longo, pois a maior parte de nós não tem acesso fácil a esse tipo de iniciativa. Ainda assim, acredito que a educação de base deve ser pautada principalmente nesse estímulo do resgate da dignidade e da capacidade de qualquer pessoa.

Posso dizer que tive muita sorte por ter tido o estímulo para aprender inglês e computação, mesmo que de forma autodidata. A coragem e a estrutura familiar me propiciaram isso, mas entendo que faço parte de um grupo muito pequeno que teve a chance de poder aprender e a agarrei, mesmo com dificuldades. É um privilégio ter construído essa jornada de empreendedor, e por isso me vejo capaz e na obrigação de retribuir para a sociedade, dando de volta o aprendizado que recebi e buscando alternativas para diminuirmos essa desigualdade absurda.

Genau Lopes Jr, CEO e Founder da Yoobe.

Tecnologia não é suficiente se não pudermos utilizá-la plenamente

Muitos afroempreendedores acabam desistindo por falta de recursos e conhecimento sobre finanças, vendas e networking, independentemente da sua capacidade de inovar e oferecer bons produtos e proposta de valor. Além disso, por mais que a tecnologia nos ajude a alcançar as pessoas de forma mais democrática, ainda existem algumas barreiras como letramento digital e acesso pleno à internet e dispositivos para tirar o máximo proveito deles.

Nesse sentido, iniciativas como o Google for Startups e o Black Founders Fund contribuem para diversificar o ecossistema de empreendedorismo brasileiro ao possibilitar o acesso a diversos recursos importantes para os afroempreendedores. No entanto, é preciso mais: devemos multiplicar iniciativas como essas para igualar as oportunidades diponíveis para empreendedores negros.

Bia Santos, CEO da Barkus.

Demandas específicas requerem soluções diferentes do convencional

Para que possamos garantir o acesso efetivo dos empreendedores negros ao ecossistema empreendedor, precisamos pensar em todos os obstáculos que, muitas vezes, nos mantêm estagnados. Entre eles estão o menor acesso ao crédito, a investimento ou a conhecimento sobre negócios em geral. Sem mergulharmos nesse contexto do negro na sociedade brasileira, dificilmente conseguiremos avançar com soluções que possam ser efetivas para minimizar a insegurança de afroempreendedores no mercado.

Acredito que a única forma de conseguirmos avançar é nos organizarmos em comunidade, como tem acontecido no Black Founders Fund. Demandas específicas requerem soluções diferentes do convencional. Portanto, é preciso encarar os obstáculos dos empreendedores negros com estratégias efetivas e que tenham aderência aos pleitos dessa população.

Somente assim conseguiremos lidar melhor com as inseguranças impostas por uma sociedade que ainda não conseguiu se resolver plenamente sobre o papel do negro no contexto social do Brasil.

Igor Leo Rocha, fundador e CEO da AfroSaúde.

Nenhum desejo ou projeto pode se colocar de pé sozinho

A jornada empreendedora começa por acessos, e os acessos para a população negra são limitadamente resultantes das desigualdades raciais no país. As leis 10.639 e 11.645 [que tornam obrigatório o ensino da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas] são grandes diretrizes legais que podem ajudar na missão de cultivar sonhos e promover a autoestima, mas a implementação delas ainda representa um desafio no país. Desse modo, é um desafio pensar a perspectiva do empreender para autonomia e prosperidade como uma escolha para um jovem negro que todos os dias precisa escolher a própria sobrevivência.

Como empreendedor negro de uma das mais importantes startups de turismo no país, digo que o desejo de mudança deve ser maior que nossas próprias dores e desafios e que ele deve alimentar todos os dias nossos sonhos e a necessidade de construirmos grandes projetos. Mas nenhum desejo ou projeto tão desafiador e ousado pode se colocar de pé sozinho. Busque pessoas, grupos, movimentos, comunidades online e espaços onde possa conhecer, trocar ideias, informações e conquistar parceiros e parceiras que compartilham o mesmo sonho. E não se esqueça de sonhar grande e planejar pequeno, pois um pequeno avanço de um sonho planejado pode representar grandes conquistas.

Carlos Humberto da Silva Filho, CEO da DIaspora.Black.

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